Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) – O Senado decidiu adiar a votação de projeto que cria a Lei das Fake News prevista para esta terça-feira para ter mais tempo para a análise e a discussão da matéria, informou a assessoria do relator da proposta, senador Angelo Coronel (PSD-BA).
Os termos do texto eram negociados, na tarde desta terça-feira, e o parlamentar ainda trabalhava em seu parecer, razão pela qual senadores decidiram adiar a votação.
De autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o projeto estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas por meio da internet, para coibir abusos ou manipulações. A principal controvérsia gira em torno de dispositivos que possam dar margem à interferência nos conteúdos, o que poderia configurar ameaças à liberdade de expressão e de imprensa.
Em resumo distribuído por sua assessoria, o relator adiantou que seu texto terá como um dos eixos a política de identificação dos usuários por meio de documentos válidos para a abertura de contas e livre tráfego de mensagem. As contas não identificadas poderão ser criadas, mas terão funcionalidades limitadas. Fica assegurado o sigilo das comunicações, previsto na Constituição.
O texto preparado por Coronel também tratará da responsabilização das plataformas. O senador alerta que ações e opiniões dos usuários não serão abrangidos por essa lei e que as plataformas não poderão “censurar” conteúdos, mas terão de obedecer a regras de transparência e poderão ter sanções caso não sigam decisões judiciais que determinem, por exemplo, a retirada de publicações.
O relator preferiu retirar do parecer a figura da “desinformação”, que no texto original é descrita como “conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia”.
“Tendo em vista a complexidade que envolve a definição de desinformação, o substitutivo deve excluir a expressão desse debate agora, priorizando a autenticidade das contas e limitando as funcionalidades para as chamadas contas não identificadas – de usuários que preferem não associar seu nome a seu perfil”, diz o resumo divulgado pela assessoria de Coronel.
O senador também demonstrou preocupação com os chamados verificadores de fatos, previstos na redação inicial como pessoa jurídica que realiza uma verificação criteriosa de fatos de acordo com os parâmetros e princípios desta lei.
“Julgamos um caminho perigoso dar poder para que um órgão ou entidade julgue o que é dito nas redes. Parece mais democrático e lógico que os próprios usuários possam reportar a existência de discurso de ódio e crimes contra honra, por exemplo”, argumentou o relator.
A retirada de pauta foi sugerida pelo próprio autor do projeto, que chegou a sugerir um texto de parecer ao relator. Vieira disse, em publicação do Twitter, que fez o pedido “considerando que o relatório não foi apresentado até o momento e que é importante que todos tenham segurança quanto ao seu conteúdo”.
“Reitero a urgência de que seja apreciado e votado pelo Senado, mas garantindo ampla publicidade e debate”, disse Vieira.
Depois, também via Twitter, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que a votação deve ocorrer na próxima semana.
Mais cedo nesta terça, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia disse ainda que a discussão sobre uma legislação para as chamadas fake news precisa ser tratada com “muito cuidado” para evitar que ameace a liberdade de expressão e de imprensa. Ele indicou que irá conversar com Alcolumbre para a construção de um texto conjunto sobre o tema.
A discussão das chamadas fake news ganhou força tendo como pano de fundo investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre possível associação criminosa de disseminação de notícias falsas, contando, inclusive, com o financiamento de empresários.
Para especialistas, a votação de uma legislação sobre o tema é necessária, mas ela ainda carece de debate e não deve avançar sem um acordo mais sólido.
O cientista político pela UnB André Rosa avalia que o texto deve seguir a linha de suprimir os pontos polêmicos do debate, principalmente as que tratam da identificação do usuário.
“É pouco provável que avance sem maiores acordos”, afirmou, lembrando que há mais de 60 emendas e pode haver destaques para a retomada do texto original.
A advogada Ana Tereza Basílio, sócia do Basílio Advogados, alerta que as notícias falsas e a desinformação “impactam negativamente na consolidação da democracia e podem interferir diretamente no processo eleitoral”.
“São necessários mais debates para um texto mais equilibrado, que não invada os limites da liberdade de expressão, que devem ser preservados. No entanto, se faz urgente a aplicação de medidas efetivas para não passarmos pelo mesmo ataque avassalador de notícias falsas que presenciamos nas eleições de 2018”, disse.
Fonte: Extra Globo